A minha paixão sempre foram os romances, dos tempos medievais e amantes apaixonados. Por isso, quando comecei a escrever, não foi dificil escolher o tema. É percisamente sobre isso que trata esta história. Aqui, recuo à era medieval e vou contar o romance de dois jovens que, tendo o caminho cheio de obstáculos, se sacrificam até ao fim pelas pessoas que amam.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Capítulo 4

Cheguei a sala de refeições apenas um pouco depois. No entanto, Lane e os primos já estavam sentados e o meu Tio estava de pé a cabeceira da mesa, discutindo algo com eles. Suspendeu a conversa quando me viu chegar com a minha irmã; os rapazes levantaram-se.
-Eleanor, hoje ficas ao pé de mim. – disse-me o meu tio, indicando o lugar vago á sua esquerda. Ever olhou para mim com uma expressão de desagrado, e dirigiu-se ao lugar vago que restava, e que ficava entre Lane e Cory. Apesar do desconforto, não se queixou do seu lugar. Admirei-a por isso: eu, na idade dela, teria feito uma birra para ficar ao pé de quem queria.
No lugar que o meu tio me reservara, eu ficava ao lado de Damien e em frente a Lane. Richard estava do outro lado de Damien, em frente a Cory, e Ever em frente a Damien. Sentei-me em silêncio no meu lugar, enquanto Ever fazia o mesmo. Os outros sentaram-se.
Durante a refeição mantive-me em silêncio, fixando os olhos no meu prato, sem reparar realmente no que comia. Apesar de já conhecer aquela casa há muito, sentia-me como uma estranha. Era o dia do meu aniversário e, no entanto, não me estava a correr nada bem. Irritava-me o olhar condescendente do meu tio, porque parecia que estava a lidar com uma criança. Irritavam-me os olhares curiosos que Richard, Damien e Cory me deitavam de vez em quando. Sobretudo, Lane irritava-me com a mudança do tom de voz em que me falava. Ora era compreensivo e simpático, ora era autoritário, e parecia achar-se superior.
Mais uma vez, perdi-me em recordações da minha antiga casa. Mais do que uma sensação, tinha a certeza de que a minha vida ia mudar drasticamente.
Lane conversava em voz baixa com o meu tio. Damien e Cory falavam com Ever. Richard, tal como eu, comia em silêncio, com o olhar fixo no prato. Perguntei-me no que estaria a pensar.
-Acho arriscado, muito arriscado... aliás desnecessariamente arriscado. – ouvi Lane dizer ao pai.
-Sim, foi também o que eu pensei... Mas, segundo Lord Brightwood é a hipótese mais favorável neste momento. – respondeu Lord Dilan. Falavam, portanto, de problemas do reino. Economia, estratégia, política... Problemas por que nunca me interessara muito. O meu pai tentara muitas vezes interessar-me nestes assuntos, mas eu preferia outras actividades, como tocar, bordar e até mesmo ler. Não era muito comum naquela altura as mulheres saberem ler... Mas tanto a minha mãe como o meu pai me tinham instigado, a mim e a Ever, a aprender.
Dei por mim de novo a fitar Lane. Só me apercebi, no entanto, quando o seu olhar encontrou o meu. Desviei os olhos, embaraçada. No entanto, o meu olhar não passara despercebido ao meu tio e, portanto, ele perguntou-me:
- Qual a tua opinião Eleanor?
Como eu olhasse para ele meio atrapalhada, ele perguntou-me:
- O que achas tu que eu, como Senhor destas terras, deveria fazer para auxiliar e assegurar a dependência do reino? Qual pensas tu ser a solução correcta para as tropas inimigas que ameaçam as nossas fronteiras, com o desejo de expandir as suas?
Apercebi-me do silêncio que reinou de repente na mesa. Apesar de enfrentar apenas o olhar curioso do meu Padrinho, conseguia sentir fixos em mim os olhos de todos os outros.
- Lamento tio, mas nunca me consegui interessar o suficiente nestes assuntos para me permitir aprender o suficiente para formular uma opinião segura a esse respeito. – foi a única coisa que consegui dizer.
- Alguma modéstia está bem Eleanor, mas em excesso também não... – comentou o meu tio, sorrindo benevolentemente.
- Garanto-lhe, tio, que estou a ser absolutamente sincera nesta matéria. Não creio que possa responder satisfatoriamente a esta pergunta.
-Mas não faz mal tentar, pois não? – retorquiu ele. Pensei um pouco e depois, esforçando-me por não dizer nada muito idiota, declarei:
- Eu utilizaria a violência apenas em último recurso, embora eu não saiba quais são as circunstâncias presentes. Tentaria uma solução pacífica que agradasse a ambas as partes envolvidas no assunto. Pelo que sei, esta guerra não dura há muito, e não me parece que alguma vez tenha sido utilizada a diplomacia. Ou, se o foi, não se terá investido o suficiente nessa saída para a contenda.
- Acreditas então que os nossos opositores aceitariam uma solução diplomática, um acordo?
- Esta guerra entre nós e Arkenland dura há tão pouco tempo... Sempre conseguimos manter relações pacíficas com Arkenland. Sempre conseguimos arranjar soluções diplomáticas para as pequenas contendas que surgiram do outro lado da fronteira.
- No entanto, a situação política de Arkenland mudou drasticamente num passado recente. – comentou o meu Padrinho. Eu olhei para ele em silêncio. Por isso é que eu não gostava de falar sobre estes problemas: acabava sempre por dizer algum disparate que me fazia parecer ignorante, ou desbocada.
- Tal como eu disse, tio, eu não percebo muito destes assuntos, nem nunca me consegui interessar por eles. Sei que posso estar a dizer um grande disparate...
- Pelo contrário, Eleanor, demonstras muita sabedoria... Mas uma sabedoria que nem todos conseguiriam perceber...
-Desculpe? – perguntei eu, um pouco confusa.
- A escolha de uma solução que não passasse por batalha demonstra um grande respeito pelos combatentes. A escolha de uma solução pacífica demonstra sabedoria.
Em silêncio, apreciei o pequeno elogio. Continuava, no entanto, a achar que não havia nada de sábio em fazer figura de ignorante.
- Eu próprio já apresentei essa sugestão ao concelho. No entanto, alguns dos outros homens, de quem eu preciso do apoio, não concordam. Acham que propor uma solução pacífica é demonstrar fraqueza e cobardia.
-Nunca a diplomacia deveria ser vista como uma demonstração de fraqueza! – exclamei eu, olhando fixamente para o meu tio. Fazia-o apenas por ter a nítida consciência de que todos os olhos estavam pousados em mim – As pessoas morrem na guerra! Os homens partem desesperados por acharem que vão de encontro a uma morte certa, deixam para trás mulheres, e crianças pequenas sem sustento!
-Muitos desses homens acham que a única maneira de garantir o sustento da sua família é arriscando as suas vidas no campo de batalha, e fazer chegar o dinheiro ás famílias. – comentou Lane, de súbito. Olhei para ele por um momento, sem perceber se ele estaria a defender a minha solução ou a opor-se-lhe.
-Isso prova apenas que muitas vezes, os Generais se aproveitam dos seus combatentes, pelas suas dificuldades económicas. – afirmou Richard.
-Ora Richard! – exclamou Cory – Até tu arriscarias a tua vida se as pessoas de que mais gostasses estivessem a passar fome.
-Isso não dá aos Generais desculpa para pagarem aos seus combatentes a miséria que lhes pagam... – defendeu Richard novamente.
Lane, Richard e Cory continuaram a argumentar, envolvendo-se num pequeno debate. O meu tio intervinha de vez em quando. Damien não se pronunciou. Reparei que tinha o olhar fixo em Ever. Ever olhava para baixo, mas as suas bochechas ligeiramente coradas mostravam que sabia que estava a ser observada. Mantive os olhos no meu prato, pensando.
-Mais uma vez, lamento pelos seus pais. – disse subitamente Damien. Quando olhei para cima, vi que os seus olhos estavam fixos em Ever, e que fora para ela que falara.
-Pois... – respondeu esta simplesmente – Obrigada.
-Lembro-me bem do que foi perder a minha mãe... – continuou Damien, uma sombra no olhar – Passamos um mau bocado. Espero que possa ajuda-la em alguma coisa...
Ever olhou para ele. Surpreendida, vi um brilho intenso nos olhos dela.
-Mais uma vez, obrigada. Agradeço a sua amabilidade. É com maior prazer que compreendo a simpatia que me dispensa. Mas não posso de maneira nenhuma ser um fardo para si...
Espantada, olhei para Ever. Nunca lhe ouvira tanta eloquência na voz. E aquela intensidade no olhar... Era algo que nunca vira na minha irmã.
-Não seria fardo nenhum... Ser-me-ia absolutamente agradável poder ajuda-la...
A partir daqui não prestei mais atenção à sua conversa. Olhei fixamente para o meu prato o resto da refeição e não disse mais uma palavra. A intensidade das palavras de Ever surpreendera-me, mas o seu olhar chocara-me. Quais quer que fossem os sentimentos que afectavam a minha irmã naquele momento, eu não sabia dizer o que eram. A minha mãe, provavelmente, saberia...
O meu tio pediu-me para falar comigo a seguir ao almoço. Guiou-me até ao seu escritório e pediu-me para me sentar à sua frente.
-Antes de mais, Eleanor, lamento muito a morte dos teus pais. Como podes calcular, eu próprio fiquei de rastos ao saber da sua morte. Estimava-os muito... Mereciam-me o maior respeito...
Engoli em seco e acenei com a cabeça. Um sabor quente surgiu na minha garganta.
-Compreendo que não te encontres com disposição para discutir assuntos sérios, mas há algumas coisas que precisava de falar contigo. Como sabes, estamos em tempo de guerra.
» Antes de mais, quero explicar-te o porquê de todo o segredo que fiz na mudança de casa. Como sabes, a situação entre Kyrion e Arkenland tem vindo a tornar-se cada vez mais instável. Como ouviste ao almoço, uma guerra tem vindo a decorrer já há algum tempo. Na verdade, a situação está cada vez mais irreversível. Já muitos homens perderam as suas vidas em combate, e não me agrada que muitos sejam Arkenianos. Um dos meus aliados, Lord Simon, enviou espiões para as fronteiras, para ver, escutar e trazer-nos informações sobre os nossos inimigos. Esses espiões trouxeram notícias perturbantes.
»Não sei o que sabes sobre o senhor de Kyrion, Orsen. Conquistou o trono há pouco tempo, e o poder subiu-lhe à cabeça. Quebrou as alianças que o seu pai mantivera, e esta a tentar alargar as suas fronteiras. Mas está tão ávido por poder que utiliza meios desprezíveis... Conta que tem forçado os seus inimigos a render-se, em troca de prisioneiros importantes, aos quais tem acesso através do rapto...
»Sei que este tema não é o mais agradável para se debater, mas é um tema importante. Sei que os teus pais não te incentivaram a desenvolver estes assuntos, e na verdade eu também não acho que sejam apropriados para... Bem, para jovens da tua idade.
»Mas visto que estamos em tempos difíceis, gostaria que compreendesses o mais possível. Queria portanto pedir-te que, apenas durante algum tempo, assistisses ás reuniões do concelho que se têm desenrolado aqui em casa.
Engoli em seco antes de responder:
-Com certeza tio. O que desejar.
O meu Padrinho sorriu, satisfeito. Depois continuou:
- Bem Eleanor, este tema é ainda mais delicado. Como sabes, tu já atingiste uma certa idade... Bem, uma idade em que as jovens começam a deixar de parte a infância. Tanto quanto sei, até agora tiveste uma vida plena e feliz. Mas agora... Bem, sem rodeios... Já chegaste à idade de... Bem... Começar a pensar no... Casamento.
Olhei surpreendida para o meu Padrinho. Mais do que surpreendida, eu estava chocada. Nunca tal ideia me passara sequer pela cabeça.
-Eu sei que não é uma altura muito apropriada para discutir este assunto, devido aos acontecimentos recentes e tudo isso. Mas a verdade é que o tempo não espera, minha querida... Para já, quero apenas que penses no assunto.
-Sim... Sim, está bem. – respondi eu, atabalhoadamente.
Os outros assuntos que o meu Tio tinha para discutir comigo não eram tão pesados como os dois iniciais. Queria apenas falar-me sobre a herança que os meus pais me haviam deixado, a mim e a Ever. Queria perguntar-me que criados ou que mobília eu queria trazer de minha antiga casa. E queria, sobretudo, falar-me da minha casa. Como os meus pais não tinham tido nenhum filho, a casa deveria passar para o nosso parente do sexo masculino mais próximo. No entanto, o meu Padrinho era um homem influente, e conseguira que a propriedade ficasse em seu poder... Pelo menos, até que eu, ou Ever, nos casássemos.
Quando o meu tio me deu licença para me retirar, eu estava cansada. Mais na mente que no corpo mas, ainda assim, cansada. Lane esperava-me de fora da porta. Lembrei-me que tínhamos deixado a visita guiada pela casa para a tarde, mas eu não precisava. Lembrava-me da casa, e portanto pedi licença para me retirar para o meu quarto. Tinha muita coisa em que pensar.
Fechei a porta do meu quarto atrás de mim. A cama tinha sido refeita, e as minhas coisas arrumadas. Pensei em Julian e em Esther.
Espreitei pela janela. Ever passeava por um pedaço de jardim mesmo em frente ao meu quarto, acompanhada por Damien. Os lábios de Ever moviam-se, mas Damien limitava-se a escuta-la. Os seus olhos tinham um brilho feliz, e a intensidade do seu olhar suavizara-se.
Ever surpreendera-me muito nesse dia. E o meu tio também. A nossa conversa cansara-me. Por isso, pedindo intimamente desculpa a Esther e Julian, adormeci novamente por cima da cama.


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