A minha paixão sempre foram os romances, dos tempos medievais e amantes apaixonados. Por isso, quando comecei a escrever, não foi dificil escolher o tema. É percisamente sobre isso que trata esta história. Aqui, recuo à era medieval e vou contar o romance de dois jovens que, tendo o caminho cheio de obstáculos, se sacrificam até ao fim pelas pessoas que amam.

sábado, 6 de agosto de 2011

Capítulo 5

Acordei exactamente como adormecera: deitada por cima da colcha, atravessada na cama. Estremunhada, olhei em volta, não percebendo porque acordara. No entanto, alguns segundos depois, alguém bateu à porta.
-Entre. – disse eu, meio atrapalhada. Levantei-me, tendo noção do meu cabelo despenteado e da cama desfeita. Tive uma pequena surpresa: era Revar, uma das minhas antigas criadas. Trazia nas mãos um tabuleiro com um lanche completo, e enorme: ao lado de um bule de chá estava um pequeno pratinho daquelas bolachas que Ever fizera. Noutro prato estavam ovos, pequenas tiras de bacon, e duas fatias de pão suave e doce. Havia ainda um copo de sumo de laranja.
Surpreendida, olhei para Revar.
-Olá menina – disse ela sorrindo – vim só trazer-lhe o lanche.
Depois de ter pousado o tabuleiro na poltrona, eu abracei-a. Já conhecia Revar desde que nascera, e adorava-a.
-Oh, Revar, que bom que estás cá!
-Obrigada menina. – respondeu ela, sorrindo abertamente. Revar era a criada de minha mãe desde antes de ela casar com o meu pai. Tinha cabelos grisalhos e compridos, apanhados numa rede. Tinha olhos negros e uma expressão simpática na cara que, apesar da idade, tinha poucas rugas.
Revar só tinha ido deixar o lanche. Depois de uma pequena conversa saiu, deixando-me a sós novamente. Sem muito apetite, mordisquei uma fatia de pão, enquanto olhava pela janela.
Era cedo; o sol já baixara um pouco, mas ainda ia alto. Alguns pompons brancos flutuavam pacificamente no céu azul. No pequeno pedaço de jardim que se via na minha janela, um pequeno banco de pedra estava à sombra de um grande carvalho, cuja alta e densa copa se inclinava suavemente para a casa. Ao lado do banquinho crescia uma roseira. Apenas um botão desabrochara, ainda, revelando uma bonita rosa amarela. Por trás do banco e da roseira, no pequeno espaço entre estes e a casa, havia apenas relva verde e bem tratada, também à sombra da copa do Carvalho. Reparei que esse pequeno cantinho era protegido por uma alta sebe de camélias, da qual apenas as bonitas folhas se mostravam.
Não podia ficar fechada no meu quarto o dia todo. Pensei no convite do meu tio em utilizar a biblioteca quando quisesse. Acabei de comer o que Revar me trouxera e sai. O corredor estava deserto, e em breve encontrei a biblioteca novamente. A porta estava aberta, assim como uma das janelas. A luz entrava a jorros, iluminando a sala vazia.
Satisfeita, entrei. Olhei em redor, surpreendendo-me com a extraordinária quantidade de livros. As paredes estavam cobertas de estantes, até a altura da ombreira da porta. Daí para cima, a parede bege estava decorada com vários retratos da família do meu padrinho. Vi o retrato de Lord Dilan perto de um de Lane, em criança. Entre eles, estava o retrato de uma mulher jovem e sorridente que reconheci como sendo a minha madrinha, Miriam.
Miriam tinha sido uma mulher bonita: tinha cabelos loiros, compridos e sedosos, e olhos azuis, brilhantes e cheios de vida. Reconheci nela alguns traços de Lane, principalmente nos lábios finos e vermelhos. O meu tio chorara-a durante muito tempo.
Alheando-me dos retratos, passei os olhos pelos livros. Eram de todos os tamanhos e larguras, com capas encadernadas ou de couro, negras ou coloridas. As letras dos títulos estavam a dourado, numa bonita caligrafia. Peguei num ao acaso e, sentando-me numa poltrona perto da janela, alheei-me um pouco da realidade.
Tão embrenhada estava no meu livro que não dei pela presença de Richard, até que este pigarreou a meu lado. Olhei para ele, por um segundo, e depois levantei-me rapidamente. Ele inclinou-se numa pequena vénia e eu segui-lhe o exemplo.
- Eu queria mais uma vez pedir-lhe que me perdoasse pelo meu comentário de há pouco. – disse ele. Eu respondi, surpreendida:
- Com certeza. Não tem problema.
Ficamos em silêncio por algum tempo, em pé. Começava a sentir-me desconfortável quando ele falou novamente:
- Poderia acompanhar-me num pequeno passeio... Pelos jardins?
Atrapalhada, eu pousei o livro na poltrona e aceitei o braço que ele me estendia. Saímos pela varanda, cujas escadas desciam exactamente para o jardim. Andamos algum tempo em silêncio, pelos caminhos de terra. Sentia-me pouco à vontade, pelo que não me preocupei em quebrar o silêncio. Deixei essa tarefa para Richard.
-Há pouco, ao almoço, disse que nunca se conseguira interessar por assuntos da guerra...
-O meu pai deu-nos liberdade, a mim e á minha irmã, para escolhermos quais as matérias que queríamos aprofundar... Nem eu nem Ever nos preocupamos com guerra ou estratégia. Pessoalmente, acho-os entediantes.
-Então como foi a sua educação?
-Aprendi a ler e a escrever, tive um pouco de história e de geografia. O meu pai conseguiu arranjar-me um Mestre que me deu aulas de Literatura e Filosofia, mas sempre gostei muito de música. A minha mãe ensinou-me a tocar piano...
-Impressionante... – comentou ele – Não foi uma educação habitual nem perto...
Sorri de mim para mim.
-Também aprendi todas as tarefas de que preciso para me tornar uma boa esposa e dona de casa. Sei cozinhar e costurar e tudo o mais que as raparigas sabem fazer...
-Não estava a insinuar que o não sabia. – foi a sua resposta. Permanecemos em silêncio durante algum tempo.
-Sabe andar a cavalo? – perguntou ele, algum tempo depois. Surpreendida, acenei.
-Far-me-ia companhia num pequeno passeio? Apenas aqui pelos terrenos...
-Sim, com o maior prazer... – respondi. Adorava andar a cavalo, apesar de ter algum medo dos bichos.
Dirigimo-nos aos estábulos, onde selamos dois cavalos (um branco de crina e cauda cinzenta, chamado Snow Ball e um castanho com crina negra, chamado Major), ambos mansos e belos. A maior parte do tempo, conversámos sobre assuntos banais. Fez me algumas perguntas sobre livros ou música, ao que eu lhe respondi o melhor que sabia. Richard era uma pessoa muito interessante; lia muito, tal como eu, e tinha uma opinião forte sobre as coisas. Falava fluentemente e sem se engasgar ou gaguejar. Para além disso, conseguia falar de coisas sérias e fazer delas divertidas... Fez-me rir, algo que já não me lembrava a última vez que acontecera. Sem me aperceber bem do tempo correr, passei a tarde toda com Richard. Voltamos a guardar os cavalos no seu lugar quando o sol já brilhava alaranjado no horizonte, já avançado na sua descida. Umas poucas de estrelas já haviam aparecido, mas a aragem suave que corria pelo ar não se tornara ainda desagradavelmente fresca.
O meu tio chamava-nos já a jantar, pelo que tive apenas tempo de ir até ao meu quarto arranjar os cabelos antes de me dirigir novamente ao salão de jantar. Aí, sentei-me no mesmo lugar do almoço, conseguindo no entanto que Ever ficasse ao meu lado, e à direita de Damien. Richard ficou ao lado de Lane, deixando Cory novamente na ponta da mesa.
Estava muito menos cansada do que de manhã, assim como bastante mais bem disposta. Participei de boa vontade na conversa de Lane e do meu Tio sobre lendas e histórias antigas.
Kyrion tinha um berço lendário muito forte. As míticas histórias do meu país eram contadas há gerações, e no entanto conservavam o seu inicial encanto e fantástico. Na teoria, todas as lendas tinham um fundo de veracidade. Era, no entanto, difícil descobrir esse fundo de verdade em lendas tão fantásticas como a de Liham e Nora, uma das minhas histórias preferidas, na qual um Deus e uma humana, por se apaixonarem, tiveram de ultrapassar um castigo para poderem ficar juntos. A minha mãe contava-me essa história quando, em pequena, eu não queria dormir. Tanto a ouvi que a decorei...
Falei um pouco mais do que falara durante o almoço. Observei discretamente Ever e Damien. Pareciam muito íntimos. O meu tio tinha pedido as criadas para fazerem um bolo, por causa dos meus anos. Lane ofereceu-me um colar, que me pôs ao pescoço. Era um pequeno diamante facetado, que brilhava com mil reflexos quando a luz incidia nele. Olhei para ele antes de adormecer, e pareceu-me que tinha a forma de uma lágrima. Beleza e tristeza...
*******
«Há muito muito tempo, os Deuses caminhavam sobre a Terra e viviam em harmonia com os humanos. Eram seres poderosos e orgulhosos, mas eram também bondosos e ajudavam as pessoas quando o auxílio era necessário. As amizades profundas eram comuns entre Deuses e Homens, apesar da lealdade de um Deus não ser facilmente conquistada.»
«Liham era um Deus-guia. Estes Deuses eram de uma categoria inferior, que habitavam em florestas pantanosas ou terrenos perigosos e acompanhavam os viajantes para os manter fora de perigo. A sua área, o Bosque de Minnesweeper, era uma floresta densa, de árvores antigas e cerradas, onde apenas um pequeno caminho era seguro, pois o terreno era pantanoso. Era fácil os viajantes se enganarem no carreiro e se afogarem no pântano. Daí os Deuses Máximos terem decidido colocar um guia à disposição desses viajantes. Liham cumpria bem o seu papel. Era simpático para com os seus companheiros, não deixando de os aconselhar nos caminhos que deviam seguir, mesmo no resto da viagem.»
«Certo dia, um velho homem que seguia com sua filha, já adulta, pediu auxílio a Liham, pois desejava chegar a sua casa, do outro lado de Minnesweeper. Liham de boa vontade os acompanhou, reparando na formosura da filha do velho, Nora. Nessa mesma viagem se apaixonou loucamente por ela. Nora, por sua vez, correspondeu aos sentimentos do Deus.»
«Nos dias seguintes, Liham seguiu Nora para todo o lado, descobrindo onde morava e observando-a de longe, negligenciando assim as suas tarefas como guia. Passado algum tempo Liham, esquecendo por completo a sua tarefa, abandonou o bosque e começou a namorar Nora. Dos viajantes que se atreviam a entrar, poucos eram os que conseguiam voltar a sair.»
«Minah, a rainha dos Deuses, e o seu cônjuge Darian, tomaram conhecimento da insubordinação de Liham e, furiosos, mandaram-no chamar, para que se explicasse. Liham explicou a sua forte paixão por Nora. Darian não aceitou a desculpa, pois à custa dos seus namoros inconscientes, pessoas tinham perdido as suas vidas. Queria castigar Liham com a pior das penas: o ostracismo. Um Deus que quebrasse a honra e os juramentos dos Deuses com um “crime” grave, era enviado para uma religião insólita, o Pico do Mundo, onde nada mais havia a não ser o chão... Aí, as vidas encurtavam-se, e a morte antecipava-se, devido á solidão e ao próprio ambiente inóspito.»
«No entanto, Minah compadeceu-se um pouco da paixão que viu nos olhos de Liham, e deu-lhe uma oportunidade para se redimir. Deveria passar um século sem ver ou manter contacto com Nora. Se ao fim desse tempo conseguisse desenha-la exactamente como a conhecera, e se durante esse tempo ele cumprisse irrepreensivelmente as suas funções, seria perdoado.»
«Um século não era nada na vida de um Deus. No entanto, Liham sabia que, findo o século em questão, Nora estaria já morta. Chorando desesperado, por saber que não mais veria a sua amada, Liham dirigiu-se a Minnesweeper, disposto a cumprir a sua cruel punição.»
«Entretanto, Minah contou o destino de Liham a Nora, encontrando-se secretamente com ela. Nora, apercebendo-se também que não mais veria Liham, rompeu em lágrimas desesperadas e implorou para que o castigo fosse outro, permitindo assim a Nora e Liham encontrar-se. Minah disse a Nora que havia uma maneira de Nora voltar a ver Liham, mas que essa opção obrigá-la-ia a renunciar à sua família, à sua casa e a toda a sua vida.»
«Nora amava profundamente a sua família, mas o amor que sentia por Liham era ainda mais forte. Disse que aceitava essa opção, qualquer que fosse, se pudesse voltar a ver o rosto de Liham. Então, Minah envolveu Nora num sono profundo, no qual ela permaneceria absolutamente inalterada. Nesse sono, o tempo parava unicamente para Nora, de maneira a que um século não parecesse mais que uma semana.»
«Minah levou Nora adormecida de volta para o seu palácio, onde a manteve segura durante o tempo que durava o castigo de Liham.»
«Liham cumpriu o seu serviço normalmente durante 100 anos. Já não sorria, já não era simpático para com as pessoas que acompanhava. Tornara-se apático e ausente, e limitava-se a acompanhar as pessoas no percurso que queriam seguir. No entanto, não mais negligenciara o seu dever. No dia em que deveria ser retirado o castigo, Liham dirigiu-se para o castelo de Minah e Darian. Estes confirmaram a sua conduta impecável, e depois entregaram a liham uma folha de papel, onde Liham desenhou ao pormenor o rosto de Nora. Ao ter de lembrar todos os pormenores do rosto que tanto amara, Liham chorou, e a cada lágrima que caía, era acrescentado um pormenor ao seu desenho.»
«Quando Liham acabou o desenho, Nora estava perfeitamente reproduzida na folha de papel. Minah enterneceu-se, por ver quão verdadeiro era o amor dos dois, levou Liham ao quarto onde estava Nora. Ao ver a sua amada adormecida e tão jovem quanto a conhecera, Liham correu a abraçar o seu corpo inconsciente. Quando uma lágrima de Liham tocou o rosto de Nora, esta acordou, e ao reconhecer o rosto de Liham, entregou-se a ele num beijo fervoroso.»

música: Wake me up when september ends green day

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Capítulo 4

Cheguei a sala de refeições apenas um pouco depois. No entanto, Lane e os primos já estavam sentados e o meu Tio estava de pé a cabeceira da mesa, discutindo algo com eles. Suspendeu a conversa quando me viu chegar com a minha irmã; os rapazes levantaram-se.
-Eleanor, hoje ficas ao pé de mim. – disse-me o meu tio, indicando o lugar vago á sua esquerda. Ever olhou para mim com uma expressão de desagrado, e dirigiu-se ao lugar vago que restava, e que ficava entre Lane e Cory. Apesar do desconforto, não se queixou do seu lugar. Admirei-a por isso: eu, na idade dela, teria feito uma birra para ficar ao pé de quem queria.
No lugar que o meu tio me reservara, eu ficava ao lado de Damien e em frente a Lane. Richard estava do outro lado de Damien, em frente a Cory, e Ever em frente a Damien. Sentei-me em silêncio no meu lugar, enquanto Ever fazia o mesmo. Os outros sentaram-se.
Durante a refeição mantive-me em silêncio, fixando os olhos no meu prato, sem reparar realmente no que comia. Apesar de já conhecer aquela casa há muito, sentia-me como uma estranha. Era o dia do meu aniversário e, no entanto, não me estava a correr nada bem. Irritava-me o olhar condescendente do meu tio, porque parecia que estava a lidar com uma criança. Irritavam-me os olhares curiosos que Richard, Damien e Cory me deitavam de vez em quando. Sobretudo, Lane irritava-me com a mudança do tom de voz em que me falava. Ora era compreensivo e simpático, ora era autoritário, e parecia achar-se superior.
Mais uma vez, perdi-me em recordações da minha antiga casa. Mais do que uma sensação, tinha a certeza de que a minha vida ia mudar drasticamente.
Lane conversava em voz baixa com o meu tio. Damien e Cory falavam com Ever. Richard, tal como eu, comia em silêncio, com o olhar fixo no prato. Perguntei-me no que estaria a pensar.
-Acho arriscado, muito arriscado... aliás desnecessariamente arriscado. – ouvi Lane dizer ao pai.
-Sim, foi também o que eu pensei... Mas, segundo Lord Brightwood é a hipótese mais favorável neste momento. – respondeu Lord Dilan. Falavam, portanto, de problemas do reino. Economia, estratégia, política... Problemas por que nunca me interessara muito. O meu pai tentara muitas vezes interessar-me nestes assuntos, mas eu preferia outras actividades, como tocar, bordar e até mesmo ler. Não era muito comum naquela altura as mulheres saberem ler... Mas tanto a minha mãe como o meu pai me tinham instigado, a mim e a Ever, a aprender.
Dei por mim de novo a fitar Lane. Só me apercebi, no entanto, quando o seu olhar encontrou o meu. Desviei os olhos, embaraçada. No entanto, o meu olhar não passara despercebido ao meu tio e, portanto, ele perguntou-me:
- Qual a tua opinião Eleanor?
Como eu olhasse para ele meio atrapalhada, ele perguntou-me:
- O que achas tu que eu, como Senhor destas terras, deveria fazer para auxiliar e assegurar a dependência do reino? Qual pensas tu ser a solução correcta para as tropas inimigas que ameaçam as nossas fronteiras, com o desejo de expandir as suas?
Apercebi-me do silêncio que reinou de repente na mesa. Apesar de enfrentar apenas o olhar curioso do meu Padrinho, conseguia sentir fixos em mim os olhos de todos os outros.
- Lamento tio, mas nunca me consegui interessar o suficiente nestes assuntos para me permitir aprender o suficiente para formular uma opinião segura a esse respeito. – foi a única coisa que consegui dizer.
- Alguma modéstia está bem Eleanor, mas em excesso também não... – comentou o meu tio, sorrindo benevolentemente.
- Garanto-lhe, tio, que estou a ser absolutamente sincera nesta matéria. Não creio que possa responder satisfatoriamente a esta pergunta.
-Mas não faz mal tentar, pois não? – retorquiu ele. Pensei um pouco e depois, esforçando-me por não dizer nada muito idiota, declarei:
- Eu utilizaria a violência apenas em último recurso, embora eu não saiba quais são as circunstâncias presentes. Tentaria uma solução pacífica que agradasse a ambas as partes envolvidas no assunto. Pelo que sei, esta guerra não dura há muito, e não me parece que alguma vez tenha sido utilizada a diplomacia. Ou, se o foi, não se terá investido o suficiente nessa saída para a contenda.
- Acreditas então que os nossos opositores aceitariam uma solução diplomática, um acordo?
- Esta guerra entre nós e Arkenland dura há tão pouco tempo... Sempre conseguimos manter relações pacíficas com Arkenland. Sempre conseguimos arranjar soluções diplomáticas para as pequenas contendas que surgiram do outro lado da fronteira.
- No entanto, a situação política de Arkenland mudou drasticamente num passado recente. – comentou o meu Padrinho. Eu olhei para ele em silêncio. Por isso é que eu não gostava de falar sobre estes problemas: acabava sempre por dizer algum disparate que me fazia parecer ignorante, ou desbocada.
- Tal como eu disse, tio, eu não percebo muito destes assuntos, nem nunca me consegui interessar por eles. Sei que posso estar a dizer um grande disparate...
- Pelo contrário, Eleanor, demonstras muita sabedoria... Mas uma sabedoria que nem todos conseguiriam perceber...
-Desculpe? – perguntei eu, um pouco confusa.
- A escolha de uma solução que não passasse por batalha demonstra um grande respeito pelos combatentes. A escolha de uma solução pacífica demonstra sabedoria.
Em silêncio, apreciei o pequeno elogio. Continuava, no entanto, a achar que não havia nada de sábio em fazer figura de ignorante.
- Eu próprio já apresentei essa sugestão ao concelho. No entanto, alguns dos outros homens, de quem eu preciso do apoio, não concordam. Acham que propor uma solução pacífica é demonstrar fraqueza e cobardia.
-Nunca a diplomacia deveria ser vista como uma demonstração de fraqueza! – exclamei eu, olhando fixamente para o meu tio. Fazia-o apenas por ter a nítida consciência de que todos os olhos estavam pousados em mim – As pessoas morrem na guerra! Os homens partem desesperados por acharem que vão de encontro a uma morte certa, deixam para trás mulheres, e crianças pequenas sem sustento!
-Muitos desses homens acham que a única maneira de garantir o sustento da sua família é arriscando as suas vidas no campo de batalha, e fazer chegar o dinheiro ás famílias. – comentou Lane, de súbito. Olhei para ele por um momento, sem perceber se ele estaria a defender a minha solução ou a opor-se-lhe.
-Isso prova apenas que muitas vezes, os Generais se aproveitam dos seus combatentes, pelas suas dificuldades económicas. – afirmou Richard.
-Ora Richard! – exclamou Cory – Até tu arriscarias a tua vida se as pessoas de que mais gostasses estivessem a passar fome.
-Isso não dá aos Generais desculpa para pagarem aos seus combatentes a miséria que lhes pagam... – defendeu Richard novamente.
Lane, Richard e Cory continuaram a argumentar, envolvendo-se num pequeno debate. O meu tio intervinha de vez em quando. Damien não se pronunciou. Reparei que tinha o olhar fixo em Ever. Ever olhava para baixo, mas as suas bochechas ligeiramente coradas mostravam que sabia que estava a ser observada. Mantive os olhos no meu prato, pensando.
-Mais uma vez, lamento pelos seus pais. – disse subitamente Damien. Quando olhei para cima, vi que os seus olhos estavam fixos em Ever, e que fora para ela que falara.
-Pois... – respondeu esta simplesmente – Obrigada.
-Lembro-me bem do que foi perder a minha mãe... – continuou Damien, uma sombra no olhar – Passamos um mau bocado. Espero que possa ajuda-la em alguma coisa...
Ever olhou para ele. Surpreendida, vi um brilho intenso nos olhos dela.
-Mais uma vez, obrigada. Agradeço a sua amabilidade. É com maior prazer que compreendo a simpatia que me dispensa. Mas não posso de maneira nenhuma ser um fardo para si...
Espantada, olhei para Ever. Nunca lhe ouvira tanta eloquência na voz. E aquela intensidade no olhar... Era algo que nunca vira na minha irmã.
-Não seria fardo nenhum... Ser-me-ia absolutamente agradável poder ajuda-la...
A partir daqui não prestei mais atenção à sua conversa. Olhei fixamente para o meu prato o resto da refeição e não disse mais uma palavra. A intensidade das palavras de Ever surpreendera-me, mas o seu olhar chocara-me. Quais quer que fossem os sentimentos que afectavam a minha irmã naquele momento, eu não sabia dizer o que eram. A minha mãe, provavelmente, saberia...
O meu tio pediu-me para falar comigo a seguir ao almoço. Guiou-me até ao seu escritório e pediu-me para me sentar à sua frente.
-Antes de mais, Eleanor, lamento muito a morte dos teus pais. Como podes calcular, eu próprio fiquei de rastos ao saber da sua morte. Estimava-os muito... Mereciam-me o maior respeito...
Engoli em seco e acenei com a cabeça. Um sabor quente surgiu na minha garganta.
-Compreendo que não te encontres com disposição para discutir assuntos sérios, mas há algumas coisas que precisava de falar contigo. Como sabes, estamos em tempo de guerra.
» Antes de mais, quero explicar-te o porquê de todo o segredo que fiz na mudança de casa. Como sabes, a situação entre Kyrion e Arkenland tem vindo a tornar-se cada vez mais instável. Como ouviste ao almoço, uma guerra tem vindo a decorrer já há algum tempo. Na verdade, a situação está cada vez mais irreversível. Já muitos homens perderam as suas vidas em combate, e não me agrada que muitos sejam Arkenianos. Um dos meus aliados, Lord Simon, enviou espiões para as fronteiras, para ver, escutar e trazer-nos informações sobre os nossos inimigos. Esses espiões trouxeram notícias perturbantes.
»Não sei o que sabes sobre o senhor de Kyrion, Orsen. Conquistou o trono há pouco tempo, e o poder subiu-lhe à cabeça. Quebrou as alianças que o seu pai mantivera, e esta a tentar alargar as suas fronteiras. Mas está tão ávido por poder que utiliza meios desprezíveis... Conta que tem forçado os seus inimigos a render-se, em troca de prisioneiros importantes, aos quais tem acesso através do rapto...
»Sei que este tema não é o mais agradável para se debater, mas é um tema importante. Sei que os teus pais não te incentivaram a desenvolver estes assuntos, e na verdade eu também não acho que sejam apropriados para... Bem, para jovens da tua idade.
»Mas visto que estamos em tempos difíceis, gostaria que compreendesses o mais possível. Queria portanto pedir-te que, apenas durante algum tempo, assistisses ás reuniões do concelho que se têm desenrolado aqui em casa.
Engoli em seco antes de responder:
-Com certeza tio. O que desejar.
O meu Padrinho sorriu, satisfeito. Depois continuou:
- Bem Eleanor, este tema é ainda mais delicado. Como sabes, tu já atingiste uma certa idade... Bem, uma idade em que as jovens começam a deixar de parte a infância. Tanto quanto sei, até agora tiveste uma vida plena e feliz. Mas agora... Bem, sem rodeios... Já chegaste à idade de... Bem... Começar a pensar no... Casamento.
Olhei surpreendida para o meu Padrinho. Mais do que surpreendida, eu estava chocada. Nunca tal ideia me passara sequer pela cabeça.
-Eu sei que não é uma altura muito apropriada para discutir este assunto, devido aos acontecimentos recentes e tudo isso. Mas a verdade é que o tempo não espera, minha querida... Para já, quero apenas que penses no assunto.
-Sim... Sim, está bem. – respondi eu, atabalhoadamente.
Os outros assuntos que o meu Tio tinha para discutir comigo não eram tão pesados como os dois iniciais. Queria apenas falar-me sobre a herança que os meus pais me haviam deixado, a mim e a Ever. Queria perguntar-me que criados ou que mobília eu queria trazer de minha antiga casa. E queria, sobretudo, falar-me da minha casa. Como os meus pais não tinham tido nenhum filho, a casa deveria passar para o nosso parente do sexo masculino mais próximo. No entanto, o meu Padrinho era um homem influente, e conseguira que a propriedade ficasse em seu poder... Pelo menos, até que eu, ou Ever, nos casássemos.
Quando o meu tio me deu licença para me retirar, eu estava cansada. Mais na mente que no corpo mas, ainda assim, cansada. Lane esperava-me de fora da porta. Lembrei-me que tínhamos deixado a visita guiada pela casa para a tarde, mas eu não precisava. Lembrava-me da casa, e portanto pedi licença para me retirar para o meu quarto. Tinha muita coisa em que pensar.
Fechei a porta do meu quarto atrás de mim. A cama tinha sido refeita, e as minhas coisas arrumadas. Pensei em Julian e em Esther.
Espreitei pela janela. Ever passeava por um pedaço de jardim mesmo em frente ao meu quarto, acompanhada por Damien. Os lábios de Ever moviam-se, mas Damien limitava-se a escuta-la. Os seus olhos tinham um brilho feliz, e a intensidade do seu olhar suavizara-se.
Ever surpreendera-me muito nesse dia. E o meu tio também. A nossa conversa cansara-me. Por isso, pedindo intimamente desculpa a Esther e Julian, adormeci novamente por cima da cama.


terça-feira, 14 de junho de 2011

Capítulo 3

Saímos para o corredor. Lane não falou e, durante algum tempo, eu limitei-me a segui-lo, sem interromper o silêncio. O meu cérebro estava demasiado ensonado para inventar uma qualquer trivialidade sobre que conversar com o meu primo. E, de qualquer maneira, eu tinha coisas em que pensar.
Se eu ainda estivesse em casa, aquele dia seria uma grande animação. A minha mãe, com a ajuda da nossa cozinheira, faria doces e bolos, tartes e biscoitos. Faríamos uma pequena festa, com algumas amigas minhas que eu já há muito conhecia. Os meus pais fariam boa cara todo o dia, e abriria as minhas prendas, como era tradição, no final da noite, antes de me ir deitar. Naquela casa estranha, apenas recebera os parabéns. Por enquanto.
Àquelas pequenas lembranças de casa, as lágrimas picaram-me os olhos novamente e eu senti uma pontada lancinante de dor. Os meus pais tinham morrido há pouco tempo, e a sua perda era uma ferida que ainda não cicatrizara.
Virámos para a esquerda, e o corredor mudou. Agora era muito mais largo, embora não tão comprido. Uma enorme carpete felpuda cobria quase todo o chão. Ao fundo, uma janela grande e em arco mostrava mais um jardim. O sol já começara a despontar, pelo que o céu apresentava agora uma tonalidade cinzento claro, meio azulado.
Paramos na 1ª porta do lado esquerdo. Aquela zona estava em silêncio, apesar de me terem dito que Ever ficaria do outro lado do corredor. Lane virou-se para mim, estendendo-me um lenço branco. Um pouco embaraçada por ter dado parte de fraca em frente ao meu primo, e consciente que chorava mesmo a sério, aceitei o lenço.
-Custa um pouco a principio. Eu sei. – afirmou ele – Mas passado algum tempo, melhora.
Assenti com a cabeça, lembrando-me que também ele perdera a mãe e que, nessa altura, ele era bastante mais novo do que eu era agora. Mas mesmo assim, ele não perdera os dois ao mesmo tempo.
Ele abriu a porta do meu quarto. Era grande, mas tinha pouca mobília: uma cama grande, um armário alto e largo, um espelho na parede e uma poltrona de veludo vermelho. Como a luz que entrava pela janela ainda não era suficiente para iluminar o quarto, havia pequenas lamparinas acesas nas paredes. Apenas algumas das minhas coisas estavam ali. Ia perguntar-lhe porquê, mas não foi preciso:
-Este não será mesmo o teu quarto. Só ficarás aqui até Ever se habituar a casa. Daqui a algumas semanas, mudarás lá para cima.
Assenti, algo preocupada. Como reagiria Ever àquela situação?
-Arruma as tuas coisas. – disse-me ainda ele – Daqui a algum tempo, virei buscar-te. Para te mostrar a casa. O meu pai pediu-me também que te apresentasse aos meus primos. Por isso, lamento, mas não vais ter muito tempo para descansar.
Eu não me importei. Do que eu precisava mesmo era de manter a mente ocupada. Ele saiu do quarto, e fechou a porta atrás de si. Naquele momento não me apetecia arrumar as coisas, pelo que me limitei a sentar-me na cama, olhando para o chão de mosaicos impecavelmente limpos. Em minha casa, também o chão tinha mosaicos coloridos...
Antes que me apercebesse do que estava a acontecer, dei por mim deitada a chorar copiosamente. Tinha tantas saudades de casa e dos meus pais! Chorei durante muito tempo. Chorei até me doerem os olhos e a barriga. Chorei até não ter mais lágrimas, e só depois me voltei a endireitar. O sol já nascera, e entrava suavemente pela janela, parcialmente filtrado pelas cortinas. Lembrei-me que o meu pai também gostava muito de ver os raios do sol entrar pelas janelas de manhã...
Receando outro ataque de choro compulsivo, levantei-me para apagar as lamparinas. Depois, encontrando uma bacia com água, lavei a cara e enxuguei-a com uma toalha espessa e suave. Abri as cortinas, deixando o sol entrar a jorros no quarto, sentindo os raios quentes na pele. Olhei-me ao espelho. Com a cara lavada, já não se notava que estivera a chorar. No entanto, os meus cabelos estavam um verdadeiro terror.
Troquei de vestido, para um que era um pouco mais severo. Era negro, de mangas compridas e gola alta, bastante simples; o meu luto continuava. Escovei os cabelos e amarrei-os, com uma fita negra que pertencera à minha mãe. Normalmente era ela que me penteava todas as manhãs. Era o nosso momento diário.
Sentei-me novamente na cama, esperando. Na minha cabeça sucediam-se imagens cada vez mais estranhas, misturando-se lembranças de casa com medos do futuro, num emaranhado de cores...
Acordei com alguém a bater à porta. Nem dera por ter adormecido, mas o sol não subira quase nada, pelo que não devia ter dormido muito. Olhei-me rapidamente ao espelho. O cabelo não estava fora do lugar, e não tinha cara de quem estivera a dormir. Dirigindo-me para a porta, estiquei o vestido um pouco, suspirando.
Lane também tinha trocado de roupa: já não usava as mesmas calças nem a mesma camisa, embora ambas continuassem a ser negras, contrastando drasticamente com a pele pálida. Pensei se toda aquela roupa preta não seria um sinal de respeito pare com meus pais. Ou talvez para comigo.
Olhou para mim de alto a baixo, reparando com certeza no meu vestido. Depois estendeu-me o braço. Aceitei-o em silêncio, fechando atrás de mim a porta do quarto.
-Demorei-me mais do que esperava. Os meus primos já estão quase a chegar. Teremos de deixar a visita da casa para mais tarde. – comentou ele.
-Por mim está bem. – respondi eu. Já conhecia aquela casa: muitas vezes tinha percorrido os seus corredores, e seria apenas uma questão de tempo até relembrar todos os caminhos que teria de percorrer, enquanto aquele fosse o meu... lar. Custou-me dizer a palavra, mesmo na minha mente.
Saímos para o exterior por uma porta traseira. Aquela era, de toda a propriedade, a minha zona favorita: os jardins. Eram muitos, estavam bem arranjados, e as flores eram coloridas. Lane encaminhou-me por um caminho de que eu não me lembrava, e que foi dar aos estábulos. Vários criados atarefavam-se em volta de três cavalos, todos de raça, muito belos. Os respectivos donos estavam um pouco afastados, sentados num banco de pedra. Quando nos viram, levantaram-se e dirigiram-se para nós. Ambos olhavam para mim, com surpresa. Um deles, o do meio, mais alto, perguntou:
-Caramba, Lane! Tanto preto... Quem é que morreu?
Os meus pais”, pensei eu, de mim para mim. Lane olhou para ele, com uma expressão estranha no rosto. Depois disse:
-Os pais de Eleanor.
A reacção dos outros foi um pouco estranha. O rapaz que falara corou um pouco, e todos olharam directamente para mim, com expressões entre o pesar e a curiosidade pura estampados no rosto. Tentei evitar o seu olhar.
-Richard. Damien. Cory. Esta é a minha prima. – apresentou Lane. Inclinei um pouco a cabeça, e eles imitaram-me. Observei-os disfarçadamente.
O rapaz que falara tinha cabelos pretos e ondulados, um pouco compridos e os olhos castanhos, grandes e em forma de amêndoa. A pele pálida era parecida com a de Lane. O rapaz à sua esquerda também tinha os olhos castanhos. Era apenas um pouco mais alto que eu, tinha cabelos castanhos e a pele morena. Era parecido com o terceiro rapaz, que era meio palmo mais alto que eu. Os olhos e a pele eram iguais, mas os cabelos eram um pouco mais curtos.
-Peço desculpa. Não sabia. O meu nome é Richard. – disse o que tinha falado.
-Eu sou Damien. – acrescentou o da esquerda, o mais baixo de todos.
-E eu sou Cory. – disse o último.
-Eleanor e a irmã, Ever, terão de ficar a viver comigo e com o meu pai. Esta vai ser a sua casa. E gostaria que a considerassem como vossa prima. – explicou Lane, começando a andar. Ainda não me largara o braço. Os outros 3 não responderam, mas eu ouvi-os a seguirem-nos.
Lane foi conversando com eles, à medida que nos íamos encaminhando para dentro. Eu mantive-me em silêncio. Mais uma vez, a menção aos meus pais fora como um dedo na ferida. No entanto, não tinha muito por onde escapar. Eu continuava de braço dado a Lane, e com aqueles visitantes ali, não podia simplesmente ir embora: eles tinham-nos alcançado, e agora eu estava entre Lane e Richard. Cory estava do outro lado de Richard, e Damien depois de Lane. Tinha que me manter forte, além de que não queria dar parte de fraca em frente daqueles desconhecidos. Por isso tentei manter-me atenta à sua conversa.
-Quanto tempo vão ficar cá? – perguntava Lane aos seus primos.
-Ainda por algum tempo. – respondeu Cory.
-Infelizmente, os motivos que nos trazem cá não são os mais agradáveis. – acrescentou Richard, com um ar misterioso na cara.
-Consta que todos os Chefes Tribais de Kyrion estão a juntar as suas tropas. Parece que estão a preparar um ataque massivo a Arkenland. – desta vez fora Damien que falara, com uma nota de relutância na voz.
-Daqui a alguns dias também o nosso pai estará aqui. Assim como Lord Hugh. Os três partirão juntos para as Montanhas Negras, juntamente com as tropas. – continuou Cory, olhando desconfiado de mim para Lane. -Leanne também vem, Lane. Com Lord Hugh. E com Karolline.
Lane assentiu, mantendo a expressão tranquila e impassível. No entanto, senti o seu punho cerrar-se um pouco em volta do meu braço. Conduziu-nos até aquila que eu me lembrava ser a sala de refeições. Era uma sala enorme, de paredes azuis brilhantes e cortinados dourados a tapar as janelas largas que iluminavam a divisão. Ao centro, uma mesa rectangular, comprida e larga, de madeira brilhante, dominava quase toda a sala. Da porta de comunicação com a cozinha provinha um aroma delicioso, e o som de risos felizes, por entre os quais distingui a gargalhada alegre de Ever. Senti-me um pouco mais à-vontade sabendo que ela estava bem, e relaxei um pouco.
Lane pediu aos primos que esperassem e conduziu-me para a cozinha. Julian estava a conversar com Ever, que tinha no colo uma travessa com bolachas, as quais fumegavam, e das quais provinha o maravilhoso aroma que se espalhara pela sala de jantar.
As duas estavam num canto afastado da cozinha, pelo que não estavam a incomodar ninguém. De resto, a cozinha parecia bastante limpa e organizada... para cozinha, é claro. Dois fornos de lenha estavam encostados numa parede, ambos acesos. Por cima, pendurados na parede, estavam vários tachos, caçarolas e pequenas panelas, assim como múltiplos utensílios de cozinha. Uma mesa estreita mas comprida no centro da divisão suportava várias travessas e taças de levar à mesa. Do outro lado da cozinha, numa espécie de pequena dispensa, pendiam chouriços, alhos e cebolas do tecto. Em pequenas prateleiras estavam alguns ovos, um presunto, pães compridos e outros alimentos.
Enquanto absorvia o que via, reparando na enorme variedade de cores e aromas que se espalhavam no ar, Lane dava instruções numa voz rápida e directa a uma das cozinheiras, uma mulher gorda e de cabelos negros que me sorriu simpaticamente. A cara vermelha iluminou-se com este gesto, mas logo voltou ao trabalho. Entretanto, Ever aproximara-se de mim, seguida por Julian, e estendeu-me uma bolacha da travessa:
- Fomos eu e a Julian que os fizemos! Prova, Nor, estão óptimos!
Ever tratava-me por Nor desde que era pequena, pois até aos 3 anos não conseguia dizer o meu nome. Eu sorri e provei a bolacha. Era muito boa, tinha um ligeiro travo a canela, mas estavam muito quentes, pelo que senti as lágrimas picar-me os olhos novamente.
-Estão óptimas Ever! – elogiei eu, sentindo no entanto a voz abafada e a garganta a arder. Num momento, o sorriso de Ever esmoreceu um pouco, e no momento a seguir, Lane já me estendia um copo cheio de água que eu bebi de um trago, aliviada. Agradeci-lhe num murmúrio, enquanto Ever se ria novamente, provavelmente da minha cara vermelha e afogueada.
- Vamos para a mesa daqui a pouco tempo. – disse-me Lane – Leva a Ever a trocar de roupa e depois volta.
Achei aquilo bastante ofensivo. As palavras que escolhera e o tom duro com que as proferira soara como se me estivesse a dar uma ordem. Mas encolhi os ombros, peguei na mão de Ever e saí da cozinha, fazendo um esforço para não me perder no caminho para o meu quarto.

Capítulo 2

As rodas da carroça rolavam irregularmente pelo caminho pedregoso, fazendo-me dar pequenos saltos de quando em quando. O capuz da capa escura e grossa cobria-me o rosto, destinada a proteger a minha identidade. No entanto, o cuidado fora desnecessário: as ruas estavam desertas aquela hora matutina. Além disso, pairava no ar uma neblina fria que, embora leve, tornava o ar meio opaco.
Sobre o meu colo repousava a cabeça da minha irmã mais nova. Ever ainda dormia, as faces pálidas espreitando timidamente pelo capuz que também a ela escondia a cara. Apesar dos solavancos, ela dormia placidamente.
Ever tinha 12 anos, e eu 14, feitos nesse dia. Isto significava, segundo a minha mãe, que eu estava a entrar na idade adulta. No entanto, a minha mãe morrera há cerca de 3 meses, e demorara apenas um pouco até o meu pai se lhe seguir. Ambos haviam definhado e morrido de doença, a qual não me tinham dito qual era. Durante cerca de duas semanas, tínhamos vivido as duas apenas acompanhadas pela criadagem da casa. No entanto, há algum tempo o meu Padrinho tinha expressado o desejo de me adoptar, e comigo Ever também. Segundo ele, eu precisava de uma presença feminina influente nesta fase da minha vida. Porém, eu não conseguia perceber em que diferiam as minhas aias das aias do meu padrinho. Isto porque a minha Madrinha Miriam já há muito falecera, e o meu Padrinho não voltara a casar.
Eu não recordava muito bem a minha Madrinha. Nas poucas ocasiões em que ela se me fora apresentada, apresentava um ar pálido, frágil e doente. Morrera de cancro no estômago no dia em que eu fizera 7 anos. Do meu padrinho lembro-me melhor: era uma pessoa simpática, sorridente e bem-disposta. No entanto, o abalo da morte da minha Madrinha roubara-lhe algumas destas qualidades. O Meu Padrinho amava profundamente a mulher. O seu nome era Dilan.
Os solavancos da carroça foram diminuindo, e a viagem tornou-se mais suave. Os bairros altos de West Hiddleton, já há muito os havíamos passado. Continuávamos a subir, a subir, por um caminho largo e bem arranjado. O que significava que em pouco tempo chegaríamos a casa do meu padrinho.
A casa de Lord Dilan era no cimo de um monte, e de lá avistava-se toda a vila, que lhe pertencia. Avistei-a ao longe, numa curva acentuada à direita. Era muito grande: tinha 3 andares, dispostos em três alas em forma de U. Apenas a ala principal da casa estava virada para esse lado da estrada, de maneira que os jardins de trás e as alas Norte e Sul estavam ocultam pela fachada branca, decorada com janelas altas e pequenos varandins de pedra cinzenta e esculpida.
Abanei suavemente Ever de modo a acorda-la. Ela sentou-se devagar, ainda meio a dormir, e piscou com força os olhos castanhos. Olhou vagamente para a grande casa á nossa frente, e depois ajeitou o capuz, aconchegando-o em volta do rosto.
-Eleanor?
-Sim?
-Vamos poder ficar juntas, não é? – Ever falara quase num murmúrio, embora a sua voz soasse forte no silêncio sepulcral da estrada.
-Sim. Creio que sim. – respondi eu, ao mesmo tempo que atravessávamos os portões negros, que marcavam o limite da propriedade. Paramos, e eu fiquei a contemplar a minha nova casa. Um longo caminho de pequenas pedras de calcário, ladeado de sebes altas e minuciosamente esculpidas levavam á porta principal, que era grande, de madeira escura e aspecto espesso e resistente, a qual dava acesso uma escada de pedra, com o corrimão ricamente trabalhado. Por baixo das escadas, havia uma pequena fonte, onde a água saía da boca de um leão. Sobre a cabeça do leão, repousava uma águia de asas abertas. Era o brasão de Lord Dilan.
O homem que conduzia a carroça olhou para mim e disse:
-É aqui que descem, minha senhora.
-Não nos leva até lá? – perguntei eu, um pouco confusa. O homem abanou a cabeça, indicando depois o rapaz que nos esperava, nas sombras da sebe. Olhando-o com espanto, desci da carroça, seguida pela minha irmã. Pegámos nos pequenos sacos que trouxéramos connosco, e que era o que restava dos nossos pertences. O rapaz avançou, e entregou algumas moedas de cobre ao carroceiro, que seguiu o seu caminho com apenas um pequeno olhar por cima do ombro.
O rapaz olhou para nós de alto a baixo, o rosto oculto por um capuz negro, pertencente a uma capa negra. Depois disse-nos:
-Venham. Lord Dilan espera-vos.
Enquanto o seguíamos, eu observava o seu porte altivo. Até a sua voz soara com um pouco de arrogância. Percebi que aquele não era um simples criado do meu padrinho. Da cara eu pouco vira. Apenas a pele pálida em contraste com as vestes que envergava: as calças eram negras, e pareciam de couro. A camisa era também negra, de linho fino, embora aparentasse ser resistente. Por cima do conjunto, repousava a capa de viagem. Usava botas de montar.
Senti a mão de Ever apertar a minha, á medida que nos aproximávamos da enorme mansão. A casa era imponente, e inspirava respeito mesmo ao longe. Apertei-lhe também ligeiramente e mão, apenas para ela saber que eu me encontrava com ela. Que nada de mal lhe poderia acontecer enquanto eu estivesse ali com ela. Que ela estava segura.
Ao subir as escadas, uma criada abriu-nos a porta. A sua roupa impecável era simples, mas elegante. O seu ar era sisudo, mas ao mesmo tempo acolhedor. A cara estava decorada de rugas na testa e nas bochechas. Afastou-se para nos deixar passar, deitando-me um olhar furtivo. Fez uma vénia ao rapaz que nos acompanhara e tirou-lhe a capa dos ombros. Ele, olhando para nós, disse:
-Podem deixar as vossas coisas com Esther. Tirem as capas, e entreguem-lhas também.
Assim fizemos eu e Ever, pousando os pequenos sacos que trazíamos connosco. Ela recolheu primeiro a capa da minha irmã e depois a minha. Enquanto isso, eu aproveitei para observar discretamente o nosso primeiro anfitrião. Os cabelos eram loiros, em caracóis revoltos. Os olhos eram castanhos, redondos e brilhavam um pouco. Os lábios eram vermelhos e finos, mas no todo era um rosto agradável. Deu-me a sensação de ser uma pessoa que não se ria com facilidade. Ele deu-se conta do meu exame, e olhou-me directamente nos olhos. Desviei o olhar, corando.
-Sigam-me. – pediu ele. Ever voltou a agarrar-me a mão, mas agora com um pouco menos de força. Antes de partirmos vi uma rapariguita mais jovem a vir em auxílio de Esther.
Entrámos num longo corredor, com muitas portas, largas e altas, de cada um dos lados, todas elas abertas. Fui espreitando por algumas delas, e vendo várias divisões grandes e bem decoradas. No entanto o meu cérebro ensonado não captou pormenores de cada um dos espaços que percorríamos. Apenas que cada um estava decorado com requinte e bom gosto. Apesar de já ter visitado aquela casa algumas vezes, não consegui reconhecer nenhuma das visões por que passámos. Ao fim de algum tempo de silêncio, o rapaz estacou em frente a uma porta grande e de aspecto resistente, que estava fechada. De lá de dentro ouviam-se vozes, embora não se percebesse o que diziam. O nosso guia bateu á porta, e foi convidado a entrar por uma voz que eu reconheci como sendo a do meu Padrinho.
Entramos naquilo que parecia ser uma sala de conselho. Era um espaço grande, com vários mapas pendurados na parede. No centro da sala estava uma mesa grande e redonda, com vários papéis espalhados, assim como um outro mapa grande, que mostrava os territórios de Kyrion e Arkenland, e a sua fronteira, constantemente cenário de guerrilhas intensas e cenas bélicas. A toda a volta da mesa estavam reunidos vários homens, tanto em pé como sentados. Todos me pareceram ser Homens de porte Nobre e poderoso, com certeza aliados do meu padrinho. Na ponta da mesa, sentado a uma cadeira de costas altas, estava Lord Dilan: a barba espessa e curta era clara, assim como os cabelos compridos. O rosto, embora ainda jovem, já apresentava rugas marcadas na testa, sinal de grande stress.
-Lady Eleanor e Lady Ever. – anunciou o nosso guia.
A sala silenciou-se aquando da nossa entrada. Vários dos homens presentes olharam fixamente para mim, alguns para a minha irmã. Sentia-me incomodada perante aquele exame geral. O meu Padrinho levantou-se e disse:
-Meus Senhores, receio ter de vos deixar por alguns momentos. Como vêm, tenho um outro assunto do qual tenho de tratar.
Atravessou em passos largos a sala e saiu da sala, fechando a porta atrás de si. Olhou para mim de alto a baixo, sorrindo benevolentemente, e disse-me:
-Cada vez mais bonita, não é Eleanor?
-Obrigada. – agradeci eu, um pouco constrangida.
-Tu também Ever. – comentou ele, olhando para a minha irmã – Estas cada vez mais parecida com a tua mãe.
Ever sorriu levemente, apenas para não parecer desagradável. No entanto, a sua mão ainda apertava a minha, e ambas sentimos lágrimas a picar-nos os olhos. O meu Padrinho pareceu não ter reparado, pois continuou, virando-se de costas e começando a andar:
-Embora, Eleanor, deva dizer que tens traços muito marcantes do teu pai. O teu cabelo é exactamente da mesma tonalidade escura do dele. E o nariz também é igual. Agora a pequena Ever é uma cópia da Rackel...
Mantivemo-nos em silêncio, pois aquele era um comentário ao qual não tínhamos de responder. Além disso, a voz de certo me tremeria devido às lágrimas que teimavam em picar-me os olhos. Pisquei os olhos furiosamente, tentando limpar as lágrimas, e Ever imitou-me. Nem sequer respondera ao comentário do me Padrinho, quando ele lhe chamara “pequena”. Senti os olhos do nosso primeiro anfitrião preso em mim, mas decidi não enfrentar esse olhar.
Segui o meu tio por mais uma série de divisões, até chegarmos àquilo que reconheci como sendo a biblioteca. As paredes estavam cobertas de estantes carregadas de livros, excepto na parede do fundo, onde duas grandes janelas mostravam o jardim bem arranjado. O céu estava ainda escuro. Várias mesas estavam espalhadas pela divisão, rodeadas de cadeiras estofadas e poltronas de veludo vermelho e macio, numa das quais o nosso primeiro anfitrião se sentou. Só então o meu Padrinho se virou para nós.
-Ora então, minha querida... – disse ele, ainda com o mesmo sorriso benevolente no rosto – Calculo que estejam ambas muito cansadas... Lamento tê-las feito acordar tão cedo, mas hoje em dia, quanto mais discreto, melhor, não é verdade?
Assenti, esboçando um sorriso muito leve.
-É sim, Padrinho.
-Ora, podes tratar-me por tio, claro! – afirmou ele, descontraidamente. – O mesmo se aplica a ti, Ever.
-Está bem. – confirmou Ever, baixinho. Entretanto, a mesma rapariguita que eu tinha visto ajudar Esther com os nossos pertences entrou na divisão, muito silenciosamente, de cabeça baixa e expressão submissa.
-Ah! – exclamou o meu Padrinho – Esta é a Julian. Podem pedir-lhe ajuda em tudo aquilo que precisarem. E a mim também, claro. – Acrescentou ele, com o rosto sempre bem-disposto. – Julian, leva Ever até ao seu quarto, por favor.
Ever olhou para mim, com uma expressão algo assustada. Eu perguntei:
-Não vamos ficar juntas, tio?
-Oh, não se preocupem. Os vossos quartos estão muito próximos. Basta atravessarem o corredor. – respondeu ele tranquilamente. Apertei um pouco a mão de Ever e depois larguei-a. Ela pareceu-me mais aliviada mas, mesmo assim, saiu da sala com relutância. Julian sorria simpaticamente à minha irmã e, mesmo antes de abandonarem a divisão ouvi-a dirigir-se á minha irmã com palavras amáveis e um sorriso bondoso no rosto. Depois, o meu Padrinho virou-se para mim. Já não sorria tanto: tinha um ar algo sério e pesaroso.
-Então, Eleanor. Admiro a forma como tens enfrentado a situação. Ainda és jovem, mais tens-te feito forte. Perder os dois pais em tão pouco tempo não é uma brincadeira de crianças.
-Tem de ser, tio. Ever precisa de apoio, por agora.
-É esse o espírito, minha querida. Agora, sei que gostas de ler. A biblioteca está-te completamente aberta. Vai demorar algum tempo até te habituares completamente a esta casa. Até lá, creio que Lane te poderá ajudar a orientares-te.
O meu “tio” indicou com a cabeça o rapaz que nos guiara, a mim e a Ever. Ele mexeu-se um pouco, parecendo-me algo incomodado com a situação. Eu limitei-me a assentir com a cabeça. Lane? Conhecia aquele nome...
-Sei que deves estar cansada. Acordaste muito cedo, a viagem foi longa e ainda nem sequer é alvorada. Por agora, podes ir descansar. No entanto, gostava de tratar de um ou dois assuntos contigo mais logo, pode ser depois do almoço. Aproveita agora para dormir um pouco.
Assenti novamente, percebendo que, por agora, estava dispensada. O rapaz que seria o meu guia, Lane, também se levantou. O meu Padrinho virou-se para ele e ainda lhe disse:
-Já sabes qual o quarto de Eleanor, certo, filho?
O rapaz assentiu com a cabeça. Eu olhei com curiosidade para o meu “primo”. Da última vez que o vira, ele era muito mais pequeno, e muito menos pálido. Lembrava-me, efectivamente, o ver sempre que lá ia a casa. Nunca estivera muito com ele, devido à diferença de idades; ele era 2 anos mais velho que eu. No entanto, sempre o observara com curiosidade e até respeito. Nunca identificaria naquele rapaz alto e de expressão envelhecida o rapazinho alegre que tantas vezes visitara, e que tantas vezes me visitara. Teria a morte da mãe causado assim tanta mudança? A verdade é que não visitara o meu Padrinho muitas vezes, após a morte de Miriam, e nas últimas vezes que lá estivera, não me lembrava de ter avistado Lane senão uma vez, pouco depois do 1º aniversário da morte da minha Madrinha. Nessa altura ele apresentara-se muito calado, e não o tinha visto olhar senão para o prato de comida intacto à sua frente.
Lane passou por mim e dirigiu-se à porta da biblioteca. Eu apressei-me a segui-lo, um pouco perdida algures na minha memória. Ele esperou para que eu saísse, seguindo-me depois. Mesmo antes de fechar a porta, ouvi o meu Padrinho chama-lo:
-Lane?
-Sim? – perguntou ele, espreitando pela porta.
-Richard, Damien e Cory chegam hoje de manhã. Com alguma sorte, a tempo de almoçar. Avisa Sephoi para contar com mais 3 pessoas. E não te esqueças de os apresentar às nossas... convidadas especiais.
À menção daqueles visitantes, os olhos de Lane iluminaram-se um pouco. Baixinho, comentou:
-Não esqueço. Obrigada, pai.
-Oh. E é verdade, Eleanor. – ainda acrescentou o meu tio - Parabéns!

Capítulo 1

O jardim estava lindo, naquele quente dia de Junho. As flores tinhas desabrochado e davam aos canteiro um lindo aspecto colorido. Vários insectos sobrevoavam as plantas, zumbindo alegremente pelo ar quente. O céu limpo brilhava de um azul intenso, e o sol forte aquecia tudo.
Leanne acompanhava-me pelos caminhos ladeados de buxo. Já não falava com ela, pois ela morava longe, depois do casamento. Depois do que passaramos, Leanne e eu tornaramo-nos boas amigas. Richard e Lane estavam dentro de casa, a discutir qualquer coisa. Nolan e Lizzie andavam a brincar algures pela labirintica mansão, e nós estávamos sozinhas.
-Sempre adorei este jardim – disse eu quebrando o silêncio em que cairamos – São tão calmos...
-Pois é, – concordou ela – eu também adoro estes jardins.
Após um momento de silêncio, Leanne falou novamente – Pensar em tudo o que passamos nestes anos... Tanta coisa aconteceu. Não consigo evitar pensar em todas as coisas quando cá venho...
-Eu também penso nisso muita vez... - concordei eu.
Olhei para longe, para o cemitério onde jaziam os meus pais. Pensei também naquela campa tão especial. E recordei tudo tão nitidamente como se tivesse acabado de se passar.
No entanto, tudo começou à 5 anos atrás.