A minha paixão sempre foram os romances, dos tempos medievais e amantes apaixonados. Por isso, quando comecei a escrever, não foi dificil escolher o tema. É percisamente sobre isso que trata esta história. Aqui, recuo à era medieval e vou contar o romance de dois jovens que, tendo o caminho cheio de obstáculos, se sacrificam até ao fim pelas pessoas que amam.

sábado, 6 de agosto de 2011

Capítulo 5

Acordei exactamente como adormecera: deitada por cima da colcha, atravessada na cama. Estremunhada, olhei em volta, não percebendo porque acordara. No entanto, alguns segundos depois, alguém bateu à porta.
-Entre. – disse eu, meio atrapalhada. Levantei-me, tendo noção do meu cabelo despenteado e da cama desfeita. Tive uma pequena surpresa: era Revar, uma das minhas antigas criadas. Trazia nas mãos um tabuleiro com um lanche completo, e enorme: ao lado de um bule de chá estava um pequeno pratinho daquelas bolachas que Ever fizera. Noutro prato estavam ovos, pequenas tiras de bacon, e duas fatias de pão suave e doce. Havia ainda um copo de sumo de laranja.
Surpreendida, olhei para Revar.
-Olá menina – disse ela sorrindo – vim só trazer-lhe o lanche.
Depois de ter pousado o tabuleiro na poltrona, eu abracei-a. Já conhecia Revar desde que nascera, e adorava-a.
-Oh, Revar, que bom que estás cá!
-Obrigada menina. – respondeu ela, sorrindo abertamente. Revar era a criada de minha mãe desde antes de ela casar com o meu pai. Tinha cabelos grisalhos e compridos, apanhados numa rede. Tinha olhos negros e uma expressão simpática na cara que, apesar da idade, tinha poucas rugas.
Revar só tinha ido deixar o lanche. Depois de uma pequena conversa saiu, deixando-me a sós novamente. Sem muito apetite, mordisquei uma fatia de pão, enquanto olhava pela janela.
Era cedo; o sol já baixara um pouco, mas ainda ia alto. Alguns pompons brancos flutuavam pacificamente no céu azul. No pequeno pedaço de jardim que se via na minha janela, um pequeno banco de pedra estava à sombra de um grande carvalho, cuja alta e densa copa se inclinava suavemente para a casa. Ao lado do banquinho crescia uma roseira. Apenas um botão desabrochara, ainda, revelando uma bonita rosa amarela. Por trás do banco e da roseira, no pequeno espaço entre estes e a casa, havia apenas relva verde e bem tratada, também à sombra da copa do Carvalho. Reparei que esse pequeno cantinho era protegido por uma alta sebe de camélias, da qual apenas as bonitas folhas se mostravam.
Não podia ficar fechada no meu quarto o dia todo. Pensei no convite do meu tio em utilizar a biblioteca quando quisesse. Acabei de comer o que Revar me trouxera e sai. O corredor estava deserto, e em breve encontrei a biblioteca novamente. A porta estava aberta, assim como uma das janelas. A luz entrava a jorros, iluminando a sala vazia.
Satisfeita, entrei. Olhei em redor, surpreendendo-me com a extraordinária quantidade de livros. As paredes estavam cobertas de estantes, até a altura da ombreira da porta. Daí para cima, a parede bege estava decorada com vários retratos da família do meu padrinho. Vi o retrato de Lord Dilan perto de um de Lane, em criança. Entre eles, estava o retrato de uma mulher jovem e sorridente que reconheci como sendo a minha madrinha, Miriam.
Miriam tinha sido uma mulher bonita: tinha cabelos loiros, compridos e sedosos, e olhos azuis, brilhantes e cheios de vida. Reconheci nela alguns traços de Lane, principalmente nos lábios finos e vermelhos. O meu tio chorara-a durante muito tempo.
Alheando-me dos retratos, passei os olhos pelos livros. Eram de todos os tamanhos e larguras, com capas encadernadas ou de couro, negras ou coloridas. As letras dos títulos estavam a dourado, numa bonita caligrafia. Peguei num ao acaso e, sentando-me numa poltrona perto da janela, alheei-me um pouco da realidade.
Tão embrenhada estava no meu livro que não dei pela presença de Richard, até que este pigarreou a meu lado. Olhei para ele, por um segundo, e depois levantei-me rapidamente. Ele inclinou-se numa pequena vénia e eu segui-lhe o exemplo.
- Eu queria mais uma vez pedir-lhe que me perdoasse pelo meu comentário de há pouco. – disse ele. Eu respondi, surpreendida:
- Com certeza. Não tem problema.
Ficamos em silêncio por algum tempo, em pé. Começava a sentir-me desconfortável quando ele falou novamente:
- Poderia acompanhar-me num pequeno passeio... Pelos jardins?
Atrapalhada, eu pousei o livro na poltrona e aceitei o braço que ele me estendia. Saímos pela varanda, cujas escadas desciam exactamente para o jardim. Andamos algum tempo em silêncio, pelos caminhos de terra. Sentia-me pouco à vontade, pelo que não me preocupei em quebrar o silêncio. Deixei essa tarefa para Richard.
-Há pouco, ao almoço, disse que nunca se conseguira interessar por assuntos da guerra...
-O meu pai deu-nos liberdade, a mim e á minha irmã, para escolhermos quais as matérias que queríamos aprofundar... Nem eu nem Ever nos preocupamos com guerra ou estratégia. Pessoalmente, acho-os entediantes.
-Então como foi a sua educação?
-Aprendi a ler e a escrever, tive um pouco de história e de geografia. O meu pai conseguiu arranjar-me um Mestre que me deu aulas de Literatura e Filosofia, mas sempre gostei muito de música. A minha mãe ensinou-me a tocar piano...
-Impressionante... – comentou ele – Não foi uma educação habitual nem perto...
Sorri de mim para mim.
-Também aprendi todas as tarefas de que preciso para me tornar uma boa esposa e dona de casa. Sei cozinhar e costurar e tudo o mais que as raparigas sabem fazer...
-Não estava a insinuar que o não sabia. – foi a sua resposta. Permanecemos em silêncio durante algum tempo.
-Sabe andar a cavalo? – perguntou ele, algum tempo depois. Surpreendida, acenei.
-Far-me-ia companhia num pequeno passeio? Apenas aqui pelos terrenos...
-Sim, com o maior prazer... – respondi. Adorava andar a cavalo, apesar de ter algum medo dos bichos.
Dirigimo-nos aos estábulos, onde selamos dois cavalos (um branco de crina e cauda cinzenta, chamado Snow Ball e um castanho com crina negra, chamado Major), ambos mansos e belos. A maior parte do tempo, conversámos sobre assuntos banais. Fez me algumas perguntas sobre livros ou música, ao que eu lhe respondi o melhor que sabia. Richard era uma pessoa muito interessante; lia muito, tal como eu, e tinha uma opinião forte sobre as coisas. Falava fluentemente e sem se engasgar ou gaguejar. Para além disso, conseguia falar de coisas sérias e fazer delas divertidas... Fez-me rir, algo que já não me lembrava a última vez que acontecera. Sem me aperceber bem do tempo correr, passei a tarde toda com Richard. Voltamos a guardar os cavalos no seu lugar quando o sol já brilhava alaranjado no horizonte, já avançado na sua descida. Umas poucas de estrelas já haviam aparecido, mas a aragem suave que corria pelo ar não se tornara ainda desagradavelmente fresca.
O meu tio chamava-nos já a jantar, pelo que tive apenas tempo de ir até ao meu quarto arranjar os cabelos antes de me dirigir novamente ao salão de jantar. Aí, sentei-me no mesmo lugar do almoço, conseguindo no entanto que Ever ficasse ao meu lado, e à direita de Damien. Richard ficou ao lado de Lane, deixando Cory novamente na ponta da mesa.
Estava muito menos cansada do que de manhã, assim como bastante mais bem disposta. Participei de boa vontade na conversa de Lane e do meu Tio sobre lendas e histórias antigas.
Kyrion tinha um berço lendário muito forte. As míticas histórias do meu país eram contadas há gerações, e no entanto conservavam o seu inicial encanto e fantástico. Na teoria, todas as lendas tinham um fundo de veracidade. Era, no entanto, difícil descobrir esse fundo de verdade em lendas tão fantásticas como a de Liham e Nora, uma das minhas histórias preferidas, na qual um Deus e uma humana, por se apaixonarem, tiveram de ultrapassar um castigo para poderem ficar juntos. A minha mãe contava-me essa história quando, em pequena, eu não queria dormir. Tanto a ouvi que a decorei...
Falei um pouco mais do que falara durante o almoço. Observei discretamente Ever e Damien. Pareciam muito íntimos. O meu tio tinha pedido as criadas para fazerem um bolo, por causa dos meus anos. Lane ofereceu-me um colar, que me pôs ao pescoço. Era um pequeno diamante facetado, que brilhava com mil reflexos quando a luz incidia nele. Olhei para ele antes de adormecer, e pareceu-me que tinha a forma de uma lágrima. Beleza e tristeza...
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«Há muito muito tempo, os Deuses caminhavam sobre a Terra e viviam em harmonia com os humanos. Eram seres poderosos e orgulhosos, mas eram também bondosos e ajudavam as pessoas quando o auxílio era necessário. As amizades profundas eram comuns entre Deuses e Homens, apesar da lealdade de um Deus não ser facilmente conquistada.»
«Liham era um Deus-guia. Estes Deuses eram de uma categoria inferior, que habitavam em florestas pantanosas ou terrenos perigosos e acompanhavam os viajantes para os manter fora de perigo. A sua área, o Bosque de Minnesweeper, era uma floresta densa, de árvores antigas e cerradas, onde apenas um pequeno caminho era seguro, pois o terreno era pantanoso. Era fácil os viajantes se enganarem no carreiro e se afogarem no pântano. Daí os Deuses Máximos terem decidido colocar um guia à disposição desses viajantes. Liham cumpria bem o seu papel. Era simpático para com os seus companheiros, não deixando de os aconselhar nos caminhos que deviam seguir, mesmo no resto da viagem.»
«Certo dia, um velho homem que seguia com sua filha, já adulta, pediu auxílio a Liham, pois desejava chegar a sua casa, do outro lado de Minnesweeper. Liham de boa vontade os acompanhou, reparando na formosura da filha do velho, Nora. Nessa mesma viagem se apaixonou loucamente por ela. Nora, por sua vez, correspondeu aos sentimentos do Deus.»
«Nos dias seguintes, Liham seguiu Nora para todo o lado, descobrindo onde morava e observando-a de longe, negligenciando assim as suas tarefas como guia. Passado algum tempo Liham, esquecendo por completo a sua tarefa, abandonou o bosque e começou a namorar Nora. Dos viajantes que se atreviam a entrar, poucos eram os que conseguiam voltar a sair.»
«Minah, a rainha dos Deuses, e o seu cônjuge Darian, tomaram conhecimento da insubordinação de Liham e, furiosos, mandaram-no chamar, para que se explicasse. Liham explicou a sua forte paixão por Nora. Darian não aceitou a desculpa, pois à custa dos seus namoros inconscientes, pessoas tinham perdido as suas vidas. Queria castigar Liham com a pior das penas: o ostracismo. Um Deus que quebrasse a honra e os juramentos dos Deuses com um “crime” grave, era enviado para uma religião insólita, o Pico do Mundo, onde nada mais havia a não ser o chão... Aí, as vidas encurtavam-se, e a morte antecipava-se, devido á solidão e ao próprio ambiente inóspito.»
«No entanto, Minah compadeceu-se um pouco da paixão que viu nos olhos de Liham, e deu-lhe uma oportunidade para se redimir. Deveria passar um século sem ver ou manter contacto com Nora. Se ao fim desse tempo conseguisse desenha-la exactamente como a conhecera, e se durante esse tempo ele cumprisse irrepreensivelmente as suas funções, seria perdoado.»
«Um século não era nada na vida de um Deus. No entanto, Liham sabia que, findo o século em questão, Nora estaria já morta. Chorando desesperado, por saber que não mais veria a sua amada, Liham dirigiu-se a Minnesweeper, disposto a cumprir a sua cruel punição.»
«Entretanto, Minah contou o destino de Liham a Nora, encontrando-se secretamente com ela. Nora, apercebendo-se também que não mais veria Liham, rompeu em lágrimas desesperadas e implorou para que o castigo fosse outro, permitindo assim a Nora e Liham encontrar-se. Minah disse a Nora que havia uma maneira de Nora voltar a ver Liham, mas que essa opção obrigá-la-ia a renunciar à sua família, à sua casa e a toda a sua vida.»
«Nora amava profundamente a sua família, mas o amor que sentia por Liham era ainda mais forte. Disse que aceitava essa opção, qualquer que fosse, se pudesse voltar a ver o rosto de Liham. Então, Minah envolveu Nora num sono profundo, no qual ela permaneceria absolutamente inalterada. Nesse sono, o tempo parava unicamente para Nora, de maneira a que um século não parecesse mais que uma semana.»
«Minah levou Nora adormecida de volta para o seu palácio, onde a manteve segura durante o tempo que durava o castigo de Liham.»
«Liham cumpriu o seu serviço normalmente durante 100 anos. Já não sorria, já não era simpático para com as pessoas que acompanhava. Tornara-se apático e ausente, e limitava-se a acompanhar as pessoas no percurso que queriam seguir. No entanto, não mais negligenciara o seu dever. No dia em que deveria ser retirado o castigo, Liham dirigiu-se para o castelo de Minah e Darian. Estes confirmaram a sua conduta impecável, e depois entregaram a liham uma folha de papel, onde Liham desenhou ao pormenor o rosto de Nora. Ao ter de lembrar todos os pormenores do rosto que tanto amara, Liham chorou, e a cada lágrima que caía, era acrescentado um pormenor ao seu desenho.»
«Quando Liham acabou o desenho, Nora estava perfeitamente reproduzida na folha de papel. Minah enterneceu-se, por ver quão verdadeiro era o amor dos dois, levou Liham ao quarto onde estava Nora. Ao ver a sua amada adormecida e tão jovem quanto a conhecera, Liham correu a abraçar o seu corpo inconsciente. Quando uma lágrima de Liham tocou o rosto de Nora, esta acordou, e ao reconhecer o rosto de Liham, entregou-se a ele num beijo fervoroso.»

música: Wake me up when september ends green day