A minha paixão sempre foram os romances, dos tempos medievais e amantes apaixonados. Por isso, quando comecei a escrever, não foi dificil escolher o tema. É percisamente sobre isso que trata esta história. Aqui, recuo à era medieval e vou contar o romance de dois jovens que, tendo o caminho cheio de obstáculos, se sacrificam até ao fim pelas pessoas que amam.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Capítulo 2

As rodas da carroça rolavam irregularmente pelo caminho pedregoso, fazendo-me dar pequenos saltos de quando em quando. O capuz da capa escura e grossa cobria-me o rosto, destinada a proteger a minha identidade. No entanto, o cuidado fora desnecessário: as ruas estavam desertas aquela hora matutina. Além disso, pairava no ar uma neblina fria que, embora leve, tornava o ar meio opaco.
Sobre o meu colo repousava a cabeça da minha irmã mais nova. Ever ainda dormia, as faces pálidas espreitando timidamente pelo capuz que também a ela escondia a cara. Apesar dos solavancos, ela dormia placidamente.
Ever tinha 12 anos, e eu 14, feitos nesse dia. Isto significava, segundo a minha mãe, que eu estava a entrar na idade adulta. No entanto, a minha mãe morrera há cerca de 3 meses, e demorara apenas um pouco até o meu pai se lhe seguir. Ambos haviam definhado e morrido de doença, a qual não me tinham dito qual era. Durante cerca de duas semanas, tínhamos vivido as duas apenas acompanhadas pela criadagem da casa. No entanto, há algum tempo o meu Padrinho tinha expressado o desejo de me adoptar, e comigo Ever também. Segundo ele, eu precisava de uma presença feminina influente nesta fase da minha vida. Porém, eu não conseguia perceber em que diferiam as minhas aias das aias do meu padrinho. Isto porque a minha Madrinha Miriam já há muito falecera, e o meu Padrinho não voltara a casar.
Eu não recordava muito bem a minha Madrinha. Nas poucas ocasiões em que ela se me fora apresentada, apresentava um ar pálido, frágil e doente. Morrera de cancro no estômago no dia em que eu fizera 7 anos. Do meu padrinho lembro-me melhor: era uma pessoa simpática, sorridente e bem-disposta. No entanto, o abalo da morte da minha Madrinha roubara-lhe algumas destas qualidades. O Meu Padrinho amava profundamente a mulher. O seu nome era Dilan.
Os solavancos da carroça foram diminuindo, e a viagem tornou-se mais suave. Os bairros altos de West Hiddleton, já há muito os havíamos passado. Continuávamos a subir, a subir, por um caminho largo e bem arranjado. O que significava que em pouco tempo chegaríamos a casa do meu padrinho.
A casa de Lord Dilan era no cimo de um monte, e de lá avistava-se toda a vila, que lhe pertencia. Avistei-a ao longe, numa curva acentuada à direita. Era muito grande: tinha 3 andares, dispostos em três alas em forma de U. Apenas a ala principal da casa estava virada para esse lado da estrada, de maneira que os jardins de trás e as alas Norte e Sul estavam ocultam pela fachada branca, decorada com janelas altas e pequenos varandins de pedra cinzenta e esculpida.
Abanei suavemente Ever de modo a acorda-la. Ela sentou-se devagar, ainda meio a dormir, e piscou com força os olhos castanhos. Olhou vagamente para a grande casa á nossa frente, e depois ajeitou o capuz, aconchegando-o em volta do rosto.
-Eleanor?
-Sim?
-Vamos poder ficar juntas, não é? – Ever falara quase num murmúrio, embora a sua voz soasse forte no silêncio sepulcral da estrada.
-Sim. Creio que sim. – respondi eu, ao mesmo tempo que atravessávamos os portões negros, que marcavam o limite da propriedade. Paramos, e eu fiquei a contemplar a minha nova casa. Um longo caminho de pequenas pedras de calcário, ladeado de sebes altas e minuciosamente esculpidas levavam á porta principal, que era grande, de madeira escura e aspecto espesso e resistente, a qual dava acesso uma escada de pedra, com o corrimão ricamente trabalhado. Por baixo das escadas, havia uma pequena fonte, onde a água saía da boca de um leão. Sobre a cabeça do leão, repousava uma águia de asas abertas. Era o brasão de Lord Dilan.
O homem que conduzia a carroça olhou para mim e disse:
-É aqui que descem, minha senhora.
-Não nos leva até lá? – perguntei eu, um pouco confusa. O homem abanou a cabeça, indicando depois o rapaz que nos esperava, nas sombras da sebe. Olhando-o com espanto, desci da carroça, seguida pela minha irmã. Pegámos nos pequenos sacos que trouxéramos connosco, e que era o que restava dos nossos pertences. O rapaz avançou, e entregou algumas moedas de cobre ao carroceiro, que seguiu o seu caminho com apenas um pequeno olhar por cima do ombro.
O rapaz olhou para nós de alto a baixo, o rosto oculto por um capuz negro, pertencente a uma capa negra. Depois disse-nos:
-Venham. Lord Dilan espera-vos.
Enquanto o seguíamos, eu observava o seu porte altivo. Até a sua voz soara com um pouco de arrogância. Percebi que aquele não era um simples criado do meu padrinho. Da cara eu pouco vira. Apenas a pele pálida em contraste com as vestes que envergava: as calças eram negras, e pareciam de couro. A camisa era também negra, de linho fino, embora aparentasse ser resistente. Por cima do conjunto, repousava a capa de viagem. Usava botas de montar.
Senti a mão de Ever apertar a minha, á medida que nos aproximávamos da enorme mansão. A casa era imponente, e inspirava respeito mesmo ao longe. Apertei-lhe também ligeiramente e mão, apenas para ela saber que eu me encontrava com ela. Que nada de mal lhe poderia acontecer enquanto eu estivesse ali com ela. Que ela estava segura.
Ao subir as escadas, uma criada abriu-nos a porta. A sua roupa impecável era simples, mas elegante. O seu ar era sisudo, mas ao mesmo tempo acolhedor. A cara estava decorada de rugas na testa e nas bochechas. Afastou-se para nos deixar passar, deitando-me um olhar furtivo. Fez uma vénia ao rapaz que nos acompanhara e tirou-lhe a capa dos ombros. Ele, olhando para nós, disse:
-Podem deixar as vossas coisas com Esther. Tirem as capas, e entreguem-lhas também.
Assim fizemos eu e Ever, pousando os pequenos sacos que trazíamos connosco. Ela recolheu primeiro a capa da minha irmã e depois a minha. Enquanto isso, eu aproveitei para observar discretamente o nosso primeiro anfitrião. Os cabelos eram loiros, em caracóis revoltos. Os olhos eram castanhos, redondos e brilhavam um pouco. Os lábios eram vermelhos e finos, mas no todo era um rosto agradável. Deu-me a sensação de ser uma pessoa que não se ria com facilidade. Ele deu-se conta do meu exame, e olhou-me directamente nos olhos. Desviei o olhar, corando.
-Sigam-me. – pediu ele. Ever voltou a agarrar-me a mão, mas agora com um pouco menos de força. Antes de partirmos vi uma rapariguita mais jovem a vir em auxílio de Esther.
Entrámos num longo corredor, com muitas portas, largas e altas, de cada um dos lados, todas elas abertas. Fui espreitando por algumas delas, e vendo várias divisões grandes e bem decoradas. No entanto o meu cérebro ensonado não captou pormenores de cada um dos espaços que percorríamos. Apenas que cada um estava decorado com requinte e bom gosto. Apesar de já ter visitado aquela casa algumas vezes, não consegui reconhecer nenhuma das visões por que passámos. Ao fim de algum tempo de silêncio, o rapaz estacou em frente a uma porta grande e de aspecto resistente, que estava fechada. De lá de dentro ouviam-se vozes, embora não se percebesse o que diziam. O nosso guia bateu á porta, e foi convidado a entrar por uma voz que eu reconheci como sendo a do meu Padrinho.
Entramos naquilo que parecia ser uma sala de conselho. Era um espaço grande, com vários mapas pendurados na parede. No centro da sala estava uma mesa grande e redonda, com vários papéis espalhados, assim como um outro mapa grande, que mostrava os territórios de Kyrion e Arkenland, e a sua fronteira, constantemente cenário de guerrilhas intensas e cenas bélicas. A toda a volta da mesa estavam reunidos vários homens, tanto em pé como sentados. Todos me pareceram ser Homens de porte Nobre e poderoso, com certeza aliados do meu padrinho. Na ponta da mesa, sentado a uma cadeira de costas altas, estava Lord Dilan: a barba espessa e curta era clara, assim como os cabelos compridos. O rosto, embora ainda jovem, já apresentava rugas marcadas na testa, sinal de grande stress.
-Lady Eleanor e Lady Ever. – anunciou o nosso guia.
A sala silenciou-se aquando da nossa entrada. Vários dos homens presentes olharam fixamente para mim, alguns para a minha irmã. Sentia-me incomodada perante aquele exame geral. O meu Padrinho levantou-se e disse:
-Meus Senhores, receio ter de vos deixar por alguns momentos. Como vêm, tenho um outro assunto do qual tenho de tratar.
Atravessou em passos largos a sala e saiu da sala, fechando a porta atrás de si. Olhou para mim de alto a baixo, sorrindo benevolentemente, e disse-me:
-Cada vez mais bonita, não é Eleanor?
-Obrigada. – agradeci eu, um pouco constrangida.
-Tu também Ever. – comentou ele, olhando para a minha irmã – Estas cada vez mais parecida com a tua mãe.
Ever sorriu levemente, apenas para não parecer desagradável. No entanto, a sua mão ainda apertava a minha, e ambas sentimos lágrimas a picar-nos os olhos. O meu Padrinho pareceu não ter reparado, pois continuou, virando-se de costas e começando a andar:
-Embora, Eleanor, deva dizer que tens traços muito marcantes do teu pai. O teu cabelo é exactamente da mesma tonalidade escura do dele. E o nariz também é igual. Agora a pequena Ever é uma cópia da Rackel...
Mantivemo-nos em silêncio, pois aquele era um comentário ao qual não tínhamos de responder. Além disso, a voz de certo me tremeria devido às lágrimas que teimavam em picar-me os olhos. Pisquei os olhos furiosamente, tentando limpar as lágrimas, e Ever imitou-me. Nem sequer respondera ao comentário do me Padrinho, quando ele lhe chamara “pequena”. Senti os olhos do nosso primeiro anfitrião preso em mim, mas decidi não enfrentar esse olhar.
Segui o meu tio por mais uma série de divisões, até chegarmos àquilo que reconheci como sendo a biblioteca. As paredes estavam cobertas de estantes carregadas de livros, excepto na parede do fundo, onde duas grandes janelas mostravam o jardim bem arranjado. O céu estava ainda escuro. Várias mesas estavam espalhadas pela divisão, rodeadas de cadeiras estofadas e poltronas de veludo vermelho e macio, numa das quais o nosso primeiro anfitrião se sentou. Só então o meu Padrinho se virou para nós.
-Ora então, minha querida... – disse ele, ainda com o mesmo sorriso benevolente no rosto – Calculo que estejam ambas muito cansadas... Lamento tê-las feito acordar tão cedo, mas hoje em dia, quanto mais discreto, melhor, não é verdade?
Assenti, esboçando um sorriso muito leve.
-É sim, Padrinho.
-Ora, podes tratar-me por tio, claro! – afirmou ele, descontraidamente. – O mesmo se aplica a ti, Ever.
-Está bem. – confirmou Ever, baixinho. Entretanto, a mesma rapariguita que eu tinha visto ajudar Esther com os nossos pertences entrou na divisão, muito silenciosamente, de cabeça baixa e expressão submissa.
-Ah! – exclamou o meu Padrinho – Esta é a Julian. Podem pedir-lhe ajuda em tudo aquilo que precisarem. E a mim também, claro. – Acrescentou ele, com o rosto sempre bem-disposto. – Julian, leva Ever até ao seu quarto, por favor.
Ever olhou para mim, com uma expressão algo assustada. Eu perguntei:
-Não vamos ficar juntas, tio?
-Oh, não se preocupem. Os vossos quartos estão muito próximos. Basta atravessarem o corredor. – respondeu ele tranquilamente. Apertei um pouco a mão de Ever e depois larguei-a. Ela pareceu-me mais aliviada mas, mesmo assim, saiu da sala com relutância. Julian sorria simpaticamente à minha irmã e, mesmo antes de abandonarem a divisão ouvi-a dirigir-se á minha irmã com palavras amáveis e um sorriso bondoso no rosto. Depois, o meu Padrinho virou-se para mim. Já não sorria tanto: tinha um ar algo sério e pesaroso.
-Então, Eleanor. Admiro a forma como tens enfrentado a situação. Ainda és jovem, mais tens-te feito forte. Perder os dois pais em tão pouco tempo não é uma brincadeira de crianças.
-Tem de ser, tio. Ever precisa de apoio, por agora.
-É esse o espírito, minha querida. Agora, sei que gostas de ler. A biblioteca está-te completamente aberta. Vai demorar algum tempo até te habituares completamente a esta casa. Até lá, creio que Lane te poderá ajudar a orientares-te.
O meu “tio” indicou com a cabeça o rapaz que nos guiara, a mim e a Ever. Ele mexeu-se um pouco, parecendo-me algo incomodado com a situação. Eu limitei-me a assentir com a cabeça. Lane? Conhecia aquele nome...
-Sei que deves estar cansada. Acordaste muito cedo, a viagem foi longa e ainda nem sequer é alvorada. Por agora, podes ir descansar. No entanto, gostava de tratar de um ou dois assuntos contigo mais logo, pode ser depois do almoço. Aproveita agora para dormir um pouco.
Assenti novamente, percebendo que, por agora, estava dispensada. O rapaz que seria o meu guia, Lane, também se levantou. O meu Padrinho virou-se para ele e ainda lhe disse:
-Já sabes qual o quarto de Eleanor, certo, filho?
O rapaz assentiu com a cabeça. Eu olhei com curiosidade para o meu “primo”. Da última vez que o vira, ele era muito mais pequeno, e muito menos pálido. Lembrava-me, efectivamente, o ver sempre que lá ia a casa. Nunca estivera muito com ele, devido à diferença de idades; ele era 2 anos mais velho que eu. No entanto, sempre o observara com curiosidade e até respeito. Nunca identificaria naquele rapaz alto e de expressão envelhecida o rapazinho alegre que tantas vezes visitara, e que tantas vezes me visitara. Teria a morte da mãe causado assim tanta mudança? A verdade é que não visitara o meu Padrinho muitas vezes, após a morte de Miriam, e nas últimas vezes que lá estivera, não me lembrava de ter avistado Lane senão uma vez, pouco depois do 1º aniversário da morte da minha Madrinha. Nessa altura ele apresentara-se muito calado, e não o tinha visto olhar senão para o prato de comida intacto à sua frente.
Lane passou por mim e dirigiu-se à porta da biblioteca. Eu apressei-me a segui-lo, um pouco perdida algures na minha memória. Ele esperou para que eu saísse, seguindo-me depois. Mesmo antes de fechar a porta, ouvi o meu Padrinho chama-lo:
-Lane?
-Sim? – perguntou ele, espreitando pela porta.
-Richard, Damien e Cory chegam hoje de manhã. Com alguma sorte, a tempo de almoçar. Avisa Sephoi para contar com mais 3 pessoas. E não te esqueças de os apresentar às nossas... convidadas especiais.
À menção daqueles visitantes, os olhos de Lane iluminaram-se um pouco. Baixinho, comentou:
-Não esqueço. Obrigada, pai.
-Oh. E é verdade, Eleanor. – ainda acrescentou o meu tio - Parabéns!

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